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Linhas de Resistência

Existe uma diferença fundamental entre a idade antiga e a idade moderna quanto ao tipo de convivência e às formas de resistências. Se Aristóteles vislumbrava uma “amizade no signo de uma equivalência desinteressada” como substrato ético para que todos pudessem buscar a eudemonia (felicidade), com o advento na modernidade o optimismo eclipsou. As lutas económico-políticas do capitalismo que, desde o século XVI, engodaram o processo da sua mundialização  - como ensina a história de Anais de Braudel - levou a duas consequências: de um lado, uma maior complexidade da convivência devido a competição entre classes sociais e, do outro, o início - na sociedade mundo-, de um inédito processo de relação baseado na desqualificação da humanidade do outro e na dominação; com o Norte na potestade do domínio e o Sul na subserviência obediente.

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A Quarta Onda

O sociólogo e futurólogo norte americano, Alvin Toffler, escreveu um famoso livro intitulado “A terceira onda” (1980), no qual descreve os sinuosos caminhos da evolução da sociedade humana, desde o tempo do predomínio das actividades agrícolas, passando pela fase industrial, a era pós industrial, até a era da informação. Mais do que um tratado de sociologia ou de futurologia, a terceira onda parece uma obra de filosofia da história e se presta a refletir sobre a particular (a)historicidade africana feita de episódios de curte durée, duteis e versátis , porque sujeita a trilhar sendas determinadas pelos fautores da história oficial.

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2024, O Apogeu da Democratura

Aristóteles fez uma tipologia dos sistemas políticos: teocracia, aristocracia, democracia. Com a metade da população mundial a ir votar em 2024, na teodiceia de Leibniz - o filósofo do melhor dos mundos possível - a democracia estaria hoje no pedestal das formas de governo, sem o risco (aparente) de incorrer a sarcasmos de Voltaire (Candide). Fukuyama celebraria o fim da história (vitória do liberalismo político), sem o perigo de ser desmentido por presuntas guerras de civilizações (P. Huntington); afinal de contas a guerra Rússia - Ucrânia é entre eslavos e a guerra da Palestina (Israel versus Hamas) é entre semitas, do outro lado da cortina da modernidade ocidental...

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Devolver o Cetro ao Príncipe

Em 1985 o politólogo italiano, Gianfranco Pasquino, publicou um livro intitulado Devolver o Cetro do Príncipe. O livro é uma denuncia a usurpação das funções do(s) parlamento(s) pelo(s) executivo(s) que, mediante decretos e votos de confiança sobre si próprios, retiram as competências à(s) assembleia(s) legislativa(s), legítima(s) representante(s) do(s) povo(s). Esta tendência vai-se acentuando urbi (em Roma) et orbes (mundo) e hoje, em muitos países - e em quase toda a África - os parlamentos  são um poder residual e decorativo.

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Símbolos de Natal

Os principais símbolos de Natal são as canções, o Pai Natal e o presépio. O repertório de Natal está repleto de canções famosas, umas clássicas e outras mais populares.  Existem canções belas e famosas escritas em muitas línguas diferentes: Jingle bells, We wish you a merry Christmas, Silentnight, Feliz Navidad, Noite feliz, Heilige Nacht. De entre elas, a italiana Tu scendi dalle stelle (“Tu desces das estrelas”), composta na época barroca (1732) por Alphonsus Liguori, é certamente a mais célebre.

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Guerra e Paz

Perante a banalidade da guerra (mal para Hannah  Arendt) em C. Delgado, Congo, Sudão, Ucrânia, Palestina (…) qual outro livro e leitura podia estar em adequação com o espírito dos tempos mais do que  guerra e paz de Liev Tolstoi?

Volumoso Romance histórico, entrelaçado entre diferentes falares, registos, regionalismos, expressões populares, arcaísmos úteis para descrever a quotidianidade e expressões devido registro oficial e burocrático, linguagem familiar, venatório, militar (…);  o autor narra a história da Rússia na época das guerras napoleónicas para  mostrar como a vida das pessoas comuns é influenciada por grandes eventos históricos. Pode até parecer que ele desenvolve uma teoria fatalista da história, onde o livre arbítrio  teria uma importância menor e onde todos acontecimentos só obedecem a um determinismo histórico irrefutável.

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A violação da Palavra

Teólogos, juristas, jornalistas, filósofos partilham entre si, a dimensão fundacional do Verbum.

O verbo do princípio (Fiat inicial) e o verbo anti Paideia que se propõem a fazer do logos (partilhada, concordada, consensual) a antítese de toda a forma de vida violenta, desregrada…

Talvez se esteja a ouvir demais e a escutar pouco, talvez somos agredidos demais por palavras, mensagens e rumores que nos impedem uma autêntica comunicação. O que se pede em todas as situações e de maneira sempre mais obsessiva é a escuta, o espaço (interior) a libertar ou a disponibilizar para tornar fecunda a palavra. Mas a palavra que prevê a escuta tem a sua própria gramática.

Na crise da (autenticidade) palavra, e da consequente desconfiança da escuta, é primordial virarmos a nossa atenção, in primis, sobre a natureza do vis, viris, (o) homem, o locutor (loquere) e do objecto/objectivo/telos da sua comunicação. Como se pode escutar e ser testemunho (cúmplice) de palavras dúplices (duplas/ambíguas), mentiras proclamadas por quem pensa de maneira diferente do que diz (de como fala), sem se sentir a exigência de uma gramática que não se limita ao uso correcto da língua mas também restitua vericidade e autoridade a palavra?

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A  CULPA

Paul Ricoeur (um dos mais eminentes filósofos franceses pós guerra) publicou em 1947 (ano da criação do FLN da Algeria) na revista Esprit um artigo de três pequenas mas eloquentes páginas intitulado, La question colonial. A sua pretensão, claramente enunciada nas primeiras linhas era: examinar as responsabilidades dos colonizadores em relação as mazelas do colonialismo, com a premissa da defesa absoluta da primazia da liberdade, sobre qualquer benefício que a colonização se pudesse reivindicar. O filósofo não se dirige aos Estados, aos governantes, aos soldados e militares, e nem mesmo às pessoas que actuaram directamente nas forças colonizadoras. Ele se dirige ao cidadão comum que pertença às nações colonizadoras, cuja maioria não possuía nenhum conhecimento específico sobre questões coloniais.

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As Nossas Cinco (Agora)Fobias

O filósofo americano Henry David Thoreau, diante da persistência da escravatura, do genocídio dos índios e da invasão do México pelo seu país, perguntou-se – “Como lidar com este mal?”. A sua resposta peremptória foi não compactuar com ele. O filósofo não podia, aos seus próprios olhos, reconhecer como seu um governo que propagava a violência e o mal. Daí a sua icónica obra A Desobediência Civil, onde encoraja “cada homem a fazer saber qual é o tipo de governo capaz de conquistar o seu respeito”.

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Filodramática – When We See Us

Em 2018, o filósofo Filomeno Lopes (co-autor deste ensaio) publicou um livro intitulado Filodramática, uma perspectiva filosófica que, partindo dos esgotos onde uma certa (des)humanidade é despejada, assume o desafio de teatralizar a existência com linguagens (contos, música…) das pessoas comuns. Não se trata de um bis repetita da estética leibniziana, mas de uma postura filosófica que, em diálogo com os danados (Fanon) da existência, se interroga sobre quem somos, o que queremos, onde queremos chegar, o que estamos dispostos a fazer, a que estamos dispostos a renunciar para atingir esses objectivos. Este preceito filosófico encontra uma ilustração exemplar na estátua de bronze do artista Bobbie Carlyle intitulada Self Made Man, que mostra, metaforicamente, a figura de um homem a esculpir a si próprio.

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Os ventos da mudança

No Fédon, Platão diferencia o que ele chama de primeira navegação (que se realiza sob o impulso do vento da filosofia naturalista) da segunda navegação, feita pelo Homem (que, na antiga linguagem dos marinheiros, se realizava quando o vento cessava e, não funcionando as velas, se recorria aos remos). Antes de o Ser (Dasein) ter sido elevado (de Aristóteles a Heidegger) a estandarte da metafísica, Heráclito tinha identificado no devir – vir a ser, movimento (navegação) – o centro nevrálgico da reflexão filosófica: nada é permanente, excepto a mudança.

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Reconseguir a nação e o continente

Parece que durante os Acordos de Lusaka, o presidente Samora Machel teria pronunciado o neologismo “desconseguir”. Criticado por esta palavra não existir em português, ele teria sentenciado – por cima da sua potestade de vencedor – que daí em diante “desconseguir” seria inscriortuguês de Moçambique. Como os escritores só criam palavras, mas os soberanos, com palavras, criam realidades (Mia Couto, As Areias do Imperador), desde então Moçambique não cessou de desconseguir: desconseguiu o socialismo, desconseguiu o desenvolvimento, desconseguiu a unidade nacional, desconseguiu a paz, desconseguiu a reconciliação, desconseguiu a democracia e agora está a desconseguir a nação.

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Jonas Ngoenha Jonas Ngoenha

Entre a república e o príncipe

Voltar à sondagem de 2004 da BBC, em que se convidaram os ouvintes a designar o maior filósofo de todos os tempos, é pertinente para o enredo deste ensaio. Também é importante recordar que os membros da International Plato Society, sentindo o que pareciam ser os ventos do Olimpo a mudar de direcção, convidaram todos os seus seguidores a votarem: era para eles necessário que Platão continuasse a reinar sobre o mundo das ideias. A massinguita de então foi que Karl Marx ganhou com 27,93 % de votos e Platão ficou em quinto lugar, com 5,65 % de votos, muito atrás de David Hume, Ludwig Wittgenstein e Friedrich Nietzsche.

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O Paradoxo de Epicuro

O paradoxo de Epicuro apoquentou o pensamento de gerações de filósofos que, não poucas vezes e por desespero, resvalaram em sentimentos de angústia, de abandono, de absurdo em relação à vida humana, que vão do ateísmo ao deicídio, passando por acusações a um Deus que estaria ausente, longe e indiferente à sorte do homem.

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DESPREOCUPADOS RUMO À GUILHOTINA

Despreocupados rumo à guilhotina, do nostálgico – e moçambicamente saudosista – do Ancien Régime João Clá Dias, é um título que soa estranho e intrigante, mas paradoxalmente invocativo para a situação africana, como são também paradoxais a lógica e o enredo silogístico do autor sobre os dissabores que apoquentam a modernidade. Na premissa maior do seu silogismo, ele coloca Lutero e a reforma protestante, que teriam aberto a estrada ao individualismo e à concupiscência e, por consequência, ao afastamento da moral, como era entendida pela escolástica e vivida na idade média: agitur sequitur esse.

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Prelúdio pós mortem em (de) R(apper) maior

Azagaia representou a forma mais audaz e incisiva da crítica social em Moçambique. O seu repertório representa um chamamento para a desconstrução das verdades historicamente estabelecidas e é um manifesto para a necessidade de invenção de um novo regime de verdade pluralmente concordado, aberto à participação de todos e orientado para a solidariedade e para a justiça. A morte do rapper Azagaia levou para as ruas uma matula que deseja construir uma nova verdade para Moçambique e ver expurgadas as mentiras das verdades que sustentam o actual regime de segregação social (através do cartão vermelho), apenas velado.

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Réquiem (hodi) em bro maior

Para merecer um réquiem, talvez seja necessário ser Manzoni, um dos maiores escritores italianos, a quem Verdi dedicou a Missa de Réquiem, ou Anna Walsegg, falecida aos 20 anos, para quem Mozart compôs o Réquiem em Ré Menor por encomenda do conde Franz von Walsegg. Mas, a Verdi e Mozart, Carlos Carvalho preferia Beethoven, o qual – além das sinfonias e, sobretudo, da famosa Nona – compôs, antes da consagração pela União Europeia, a Ode an die Freude (Hino à Alegria). É essa alegria dos momentos partilhados (que nos foi tirada pela franciscana irmã Morte) que nos autoriza a consagrar ao cota Carlos (mesmo sem o talento até de pequenos compositores) um réquiem: bom repouso.

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3 de Fevereiro: O Imperativo de (Re)Imaginar a Nação

Vinde, vinde moçambicanos, exaltemos Mondlane (...), assim começava uma das canções dedicadas ao 3 de Fevereiro na nossa discografia (etno-musicológica) de música revolucionária.

A arte sempre se antecipou à filosofia. Ao lado e para além das epistemologias desconstrucionistas (post-modernos, post-coloniais, subalternistas), a arte, sobretudo a africana e afro-diaspórica, apresenta-se como o lugar de convergência e de síntese de posições de filósofos, artistas, historiadores, críticos e como espaço de reivindicação das novas ambições africanas...

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Os primeiros 50 anos da vida  post mortem de  Cabral

A ideia da vida post-mortem – hoje, com o post-humanismo, reduzido a espermatozóides e óvulos congelados nos laboratórios e prontos a ser usados – continua hoje presente no esoterismo, nas religiões e nas metafísicas das civilizações antigas.

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Natal (ultra) cínicos

Na linguagem corrente, cinismo poderia ser empregue para o silêncio do governo diante da demanda dos trabalhadores e da função pública, ou também aos obreiros das dívidas ocultas que contraíram, conscientes quer do prejuízo para o nosso miserável país quer de que são os pobres que as iriam pagar; cinismo seria também pertinente para os que desviaram dinheiro das vítimas do IDAI ou ainda para os que, sem escrúpulos nem vergonha, se apoderaram do dinheiro das ajudas para as vítimas da guerra de Cabo Delgado.

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